Artigo publicado na revista Diálogo com a Economia Criativa – ESPM

Storytelling – como contar histórias sobre marcas que não têm uma boa história para contar

Storytelling – how to tell stories about brands that don´t have a good story to tell

 

Umehara Lopes Parente1 

Victor Márcio Laus Reis Gomes2 

Link da publicação: https://dialogo.espm.br/revistadcec-rj/article/view/292

DOI: https://doi.org/10.22398/2525-2828.51595-112

RESUMO 

Desde que há indícios de comunicação, as pessoas contam histórias. Das pinturas rupestres, em cavernas, às encantadoras histórias de pais para filhos na hora de dormir, a contação de histórias esteve presente em todos os povos e culturas. Nos últimos anos, o storytelling tem conquistado mais espaço na comunicação, como forma de contar histórias de pessoas, empresas ou marcas, sendo-lhe inferida a potencial capacidade de ampliar e prover explicação e fixação de uma ideia ou produto; adição de valores humanos à uma marca; destacar uma mensagem em meio a outras e, eventualmente, encantar seu público, por meio da contação de boas histórias, sua matéria prima essencial. Partindo desses pressupostos, este estudo buscou investigar um recorte de empresas, aqui compreendidas como detentoras de “marcas não têm uma boa história para contar”. Tal conjunto configura-se principalmente por marcas criadas sem que haja por trás de sua construção, histórias de empreendedorismo ou de lideranças inspiradoras, bem como por marcas desenvolvidas para estruturação de portfólios comerciais. Dessa forma, este estudo se propõe a projetar uma luz na direção de opções para que tais marcas comuniquem-se com seu público por meio do storytelling, sugerindo como caminho o pivotamento do protagonismo de tais histórias da marca, para os stakeholders, apresentando para sustentar tal hipótese, a descrição de três casos de empresas, compreendidas dentro do recorte proposto, que adotaram o storytelling em campanhas de comunicação.  

Palavras-chave: Storytelling; branding; marcas e histórias. 

 

ABSTRACT 

Since there are signs of communication, people tell stories. From cave paintings, in caves, to charming stories from parents to children at bedtime, storytelling was present in all peoples and cultures. In recent years, storytelling has gained more space in communication, as a way of telling stories of people, companies or brands, being inferred the potential capacity to expand and provide explanation and fixation of an idea or product; adding human values ​​to a brand; highlight a message among others; and, eventually, enchant your audience, by telling good stories, your essential raw material. Based on these assumptions, this study sought to investigate a group of companies, here understood as the owners of “brands do not have a good story to tell”. Such a set is configured mainly by brands created without having behind them, stories of entrepreneurship or inspiring leadership, as well as brands developed for  structuring commercial portfolios. Thus, this study proposes to project a light in the direction of options for such brands to communicate with their audience through storytelling, suggesting as a way, the pivotal role of such brand stories, for the stakeholders, presenting for to support such a hypothesis, the description of three cases of companies, included within the proposed outline, which adopted storytelling in communication campaigns. 

Keywords: Storytelling, branding, brand and stories. 

 

1 INTRODUÇÃO 

Pode-se afirmar que todas as empresas ou marcas têm uma história. Seja ela boa ou ruim, atrativa ou irrelevante, inspiradora ou frustrante, sempre existe uma história a ser contada e, hoje em dia, mais e mais empresas reconhecem o valor e a importância de se comunicar por meio de histórias. 

É comum nos depararmos com histórias de empresas, marcas ou empreendedores que se destacaram, tornando-se referência em algum aspecto ou segmento, tendo suas histórias contadas e propagadas de maneira orgânica e inspiracional. Xavier (2015, p.48) afirma que toda vez que um profissional ou uma empresa começa de baixo, sem grandes recursos financeiros, mas acreditando no potencial de sua ideia para superar os gigantes já estabelecidos no mercado, podemos creditar ao menos uma fração disso ao duelo Davi com Golias.  

Em uma outra vertente, Gallo (2019) sustenta que contadores de histórias de sucesso acreditam na força de suas ideias. Sabem que essas ideias não se vendem sozinhas. Por isso, trabalham incansavelmente para criar e contar uma história envolvente. Afirma ainda que os líderes mais inspiradores da história foram storytellers: Jesus, John F. Kennedy, Martin Luther King Jr., Ronald Reagan, Nelson Mandela, Henry Ford e Steve Jobs. 

Visionário, protagonista e um grande contador de histórias, Jobs realizava muitas de suas apresentações estruturadas por meio da contação de histórias, objetivando encantar e envolver seu público, apoiando-se em narrativas elaboradas, com sequência lógica, momento de clímax, conflitos, protagonistas (a própria Apple) e até mesmo antagonistas (à época, em geral a Microsoft), tornado seus lançamentos verdadeiros espetáculos. 

Seguindo a mesma lógica, em 12 de junho de 2015, Jobs proferiu um dos maiores discursos de formatura da história, realizado na Universidade de Stanford, onde em apenas 15 minutos e 2250 palavras, construiu uma narrativa em três atos, sob o tema central: faça o que você ama. Com esse tema, contou de forma emotiva um pouco sua trajetória, tornando isso um momento singular por meio de uma história.  

Ainda tomando Jobs como exemplo, considera-se relevante lembrar o teórico italiano e filósofo Benedetto Croce, ao afirmar que onde não há narrativa, não há história, bem como Storr (2019), o qual destaca que a estruturação singular de uma narrativa pode vir a se tornar a diferença entre simplesmente contar a história, ou de fato, torná-la singular e propiciar potencial para destacar-se e encantar pessoas. 

Tratando sobre narrativas, temos seus primeiros estudos originalmente colhidos sob a Poética de Aristóteles (1992), escritos por volta do ano de 335 a.C., que definiu como três as unidades da ação dramática: o tempo, o espaço e a ação. De forma simplificada, uma narrativa pode ser compreendida como a forma com que uma história é contada, uma sequência de fatos interligados que ocorrem em certo espaço de tempo, tendo como seus elementos principais: fato, corresponde à ação que vai ser narrada (o quê); tempo, em que linha temporal aconteceu o fato (quando); lugar, descrição de onde aconteceu o fato (onde); personagens, participantes ou observadores da ação (com quem); causa, razão pela qual aconteceu o fato (porquê); modo, de que forma aconteceu o fato (como); a consequência,  resultado do desenrolar da ação. 

Uma história também se desenvolve por meio de um enredo, que é a sequência de fatos narrados, geralmente dividido em quatro momentos: apresentação, quando os elementos como as personagens, o cenário e o tempo são apresentados; desenvolvimento, em que há origem o conflito; clímax, como o expoente máximo do conflito, no qual fatos importantes atingem sua maior dramaticidade; e desfecho, parte final que revela o resultado do clímax, sendo que o conflito pode ou não ter sido resolvido. 

Na visão de Mcsill (2013), para uma boa narrativa, um dos elementos mais importantes é um objetivo bem definido (aonde o personagem quer chegar) e um obstáculo ou elemento de conflito (que impede ou estimula o personagem a chegar lá), mas no decorrer desse trajeto, ele pode enfrentar circunstâncias imprevistas, dando um maior apelo e emoção à narrativa. 

Antes de tratar especificamente sobre a construção de histórias de marcas e suas narrativas, considera-se útil abordar mais alguns de seus conceitos correlatos. Aaker (1998, p.7) define uma marca como um nome ou símbolo, destinado a identificar os bens ou serviços de um vendedor, diferenciando-a dos concorrentes. Assim, uma marca sinaliza ao consumidor a origem do produto e protege, tanto o consumidor quanto o fabricante, dos concorrentes que oferecem produtos que pareçam idênticos. 

Complementando a visão de Aaker (1998), Kotler (2016) comenta que as marcas cumprem várias funções valiosas. No máximo nível básico, as marcas servem como marcadores para as ofertas de uma empresa. Para os clientes, as marcas podem simplificar a escolha, prometer um determinado nível de qualidade, reduzir riscos e/ou gerar confiança.  

As marcas são mais que meros nomes e símbolos, elas são um elemento-chave nas relações da empresa com os consumidores. As marcas representam as percepções e os sentimentos dos consumidores em relação a um produto e seu desempenho – tudo o que o produto ou serviço significa para os consumidores (KOTLER; ARMSTRONG, 2007, p.201). Na visão de Healey (2011, p.6), uma marca é uma promessa de satisfação. É um sinal, uma metáfora que age como um contrato não escrito entre um produtor e um consumidor, um vendedor e um comprador, um ator e um público, um ambiente e os que o habitam, um evento e os que experimentam.  

Mesmo as diferentes definições e óticas de análise apontam para um vértice comum, uma marca tem o objetivo de criar um elo cognitivo singular, uma ligação que deverá ir além de sua função informativa, de identificação e distinção no mercado, precisa agregar significado e valor, sendo preponderante sua gestão, também conhecida como branding 

Martins (2006, p.8) conceitua branding como o conjunto de ações ligadas à administração de marcas. São ações, que tomadas com conhecimento e competência, levam as marcas além da sua natureza meramente financeira, passando a fazer parte da cultura e influenciando a vida das pessoas. Por sua vez, Sampaio (2003) traz duas definições para branding. A primeira é como um conjunto de tarefas de marketing e de comunicação destinado a otimizar a gestão da marca. A segunda são sistemas e técnicas de gestão das tarefas de criação e desenvolvimento, lançamento, sustentação, expansão, reposicionamento e relacionamento das marcas. 

Hiller (2012) também apresenta duas formas de conceituar branding. Em sua visão, o branding é uma postura empresarial, ou uma filosofia de gestão, que coloca a marca no centro de todas as decisões da empresa. A relevância de uma marca pode ser expressa por um incontável número de exemplos, dentre os quais comentaremos dois.  

O primeiro é o da Cruz Vermelha Internacional, que como o nome indica, é simbolizada por sua icônica cruz vermelha. Todavia, a associação cognitiva e expressividade de tal ícone, tornou-o elemento imagético global, associado aos cuidados com a saúde, sendo amplamente utilizado por diversas empresas e segmentos da saúde. 

Como segundo exemplo, aludimos à cruz, um símbolo amplamente associado à religiosidade, desde o século IV, quando foi adotado pela Igreja Católica de forma iconográfica como o principal elemento visual simbólico de sua religião. Indo além da identificação de suas igrejas, a cruz católica traz consigo um componente imagético associativo a um credo fundamental do catolicismo, ou seja, a representação simbólica da história do sacrifício feito pelo filho do próprio Deus, para salvar os homens de seus pecados. 

Abstraindo por completo questões teológicas ou religiosas, e tomando a Igreja Católica como exemplo de uma instituição, que assim como outras precisam se comunicar em larga escala com seu público-alvo, provendo com este uma relação cognitiva de empatia, temos o maior e mais duradouro exemplo da adoção de storytelling como parte fundamental de sua comunicação. 

A Bíblia, livro sustentáculo do catolicismo, traz não somente a história de seus ícones maiores, a Santíssima Trindade, mas também todo um amplo e complexo universo de narrativas interpretáveis de forte carga emocional, que propiciam a seus multiplicadores, os religiosos e fiéis, um enorme alicerce de histórias já construídas, com potencial de alcançar o sentimento humano. 

A contação de histórias, ou simplesmente storytelling, apresenta-se a cada dia, como uma maneira mais assertiva e relevante de alcançar e engajar pessoas, para as mais distintas razões e causas, principalmente na vertente da construção e gestão de marcas. Frandoloso (2014) afirma que mesmo sem usar esse nome, há tempos a publicidade vem apossando-se da arte de contar histórias para vender e emocionar consumidores. Nuñez (2009) conceitua storytelling como a arte e a técnica utilizadas para contar qualquer tipo de história: de um filme ou uma campanha publicitária a uma informação comercial ou a apresentação de uma empresa.  

Xavier (2015) sugere três definições para o storytelling, definindo-as como: pragmática, quando afirma que storytelling é a tecnoarte de elaborar e encadear cenas, dando-lhes um sentido envolvente que capte a atenção das pessoas e enseje a assimilação de uma ideia central; pictórica, pela qual define storytelling como a tecnoarte de moldar e juntar as peças de um quebra-cabeça, formando um quadro memorável; por fim, a poética, definindo storytelling como a tecnoarte de empilhar tijolos narrativos, construindo monumentos imaginários repletos de significado. 

Sob um outro olhar, Gallo (2018) afirma que o storytelling é parte fundamental da nossa comunicação, definindo-o como uma ferramenta poderosa de comunicação e marketing, capaz de educar, encorajar, vender ideias e produtos. De uma forma mais ampla, Mcsill (2013) define storytelling com a arte de contar uma história, ou seja, por meio da palavra escrita, da música, da mímica, das imagens, do som ou dos meios digitais, complementando que por seu intermédio, pode-se tentar melhorar as histórias, para que consigam atingir os propósitos que foram desejados ao contá-las. Ainda segundo o autor, somos seres que fazem um esforço enorme para persuadir. Em outras palavras, levar o outro a agir da forma como queremos e, em sua visão, o storytelling tem o poder para que isso ocorra. 

Pratten (2011) afirma que contamos histórias para entreter, persuadir e explicar. Nossas mentes não gostam de fatos ou objetos aleatórios e, portanto, criam suas próprias histórias para dar sentido a caso contrário, eventos e itens isolados. Naturalmente e, muitas vezes subconscientemente, conectamos os pontos. Esses pontos conectados de uma maneira estimulante que chamamos de grandes histórias. Grandes histórias conquistam corações e mentes. 

É fato que desde a primeira infância, somos criados e educados em meio a histórias, cujas narrativas nos apontam valores que se enraízam em nosso subconsciente. Várias crianças aprenderam que vale a pena seguir a orientação dos pais ouvindo a história de Chapeuzinho Vermelho. Madrastas ainda hoje são rejeitadas por conta da narrativa imbuída no conto de Branca de Neve.  

Como consequência, mesmo sem perceber, as pessoas criam, memorizam e repassam significados para as coisas por meio do que lhes é contado, adicionando valores humanos e associações cognitivas a produtos ou empresas por meio de histórias. As marcas precisam oferecer algo a mais que argumentos funcionais ou vantagens competitivas para serem acolhidas por seu público. E adiciona que nesses quesitos, as histórias despontam como ferramentas valiosas. É através delas que o ser humano cria, memoriza e repassa os significados para tudo que se conhece, desde os primeiros sinais da civilização (FRANDOLOSO, 2014). 

Mckee (2006, p.25) afirma que nosso apetite por estórias é um reflexo da necessidade profunda do ser intelectual, como uma experiência pessoal e emocional. É na capacidade de contar e recontar essas experiências de forma impactante e interessante, alinhado a seu público, que se resume a função do storytelling (FRANDOLOSO, 2014), que está fazendo com que as marcas mais inovadoras comecem a entender a si mesmas como uma história sustentada no tempo (NUÑEZ, 2009). 

Partindo das inferências que: as histórias fazem parte do cotidiano e humano; que contribuem de forma relevante na transmissão, fixação de mensagens e associação de valores; que tais elementos são de grande relevância para a construção e gestão de uma marca; mas que nem toda marca é alicerçada por uma boa história; retorna-se ao questionamento seminal deste artigo: como contar histórias sobre marcas que não têm uma boa história para contar. 

Sabido que tal questionamento não possui uma resposta simples ou objetiva, devido a complexibilidade do tema e das infindáveis variantes inerentes, este artigo propõe uma discussão que acredita poder vir a trazer um pouco de luz sobre tal pergunta, sugerindo como caminho possível a protagonização do storytelling de uma marca realizada por seus clientes ou stakeholders 

Como ilustração desse deslocamento do protagonismo da marca para o cliente na contratação de histórias, podemos citar algumas das ações da Harley-Davidson. Embora a empresa tenha inicialmente se tornado referência pela qualidade e durabilidade de seus produtos, esta tornou-se icônica por intermédio de suas histórias. A primeira delas remonta sua própria criação, em um pequeno barracão nos anos 1903 em Milwaukee nos Estados Unidos. 

A “Harley” como é chamada, em seus mais de 117 anos de história, foi utilizada por militares durante a guerra; participou de corridas tidas como lendárias; foi retratada como símbolo de rebeldia em filmes; além de ter sido utilizada por celebridades mundiais como Elvis Presley. Tal conjunto de fatos tornaram-se histórias e fortaleceram sua imagem como “The American Legend”, o slogan da marca.  

Contudo, as melhores histórias da Harley não são as encontradas em livros de histórias, e sim as descritas e vivenciadas por seus clientes. São as viagens, os encontros e as rotas percorridas, pois a premissa propagada entre as comunidades de Harleyros, é de que o caminho é mais importante que o destino, pois pilotar uma Harley é que é a real experiência. 

Apoiando-se neste exemplo, assim como no de diversas outras empresas que buscam proporcionar experiências de consumo a seus clientes, suscitamos a discussão de que a estruturação de um storytelling a partir da experiência de clientes ou stakeholders, pode apresentar-se como uma eficiente forma de se elaborar uma narrativa para uma marca, com potencial de prover aproximação e empatia. 

Tais histórias têm propensão de serem recebidas como relatos experienciais reais vividos, tendendo a possibilitar identificação com centenas ou mesmo milhares de outros clientes que possam ter tido experiências semelhantes, que nutrem o desejo de tê-las, ou simplesmente que simpatizam com a história, fazendo assim contato com a marca.  

Dentre outras ações, a Harley-Davidson publica em revistas, websites e outros meios, histórias de usuários em viagens e encontros, fortalecendo o clima aspiracional no entorno da marca. Nessa ambiência, mesmo que o usuário não tenha por hábito fazer viagens ou participar de encontros de motociclistas, sente-se incluído naquele universo criado, pois parte da mítica da marca a qual conota que ser um proprietário de uma Harley, coloca-o em um patamar diferenciado, não sendo este nem um motoqueiro nem um motociclista, mas sim um Harleyro. 

 

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 

Seria pretensioso e mesmo desproporcional afirmar que este estudo traz uma resposta definitiva para a pergunta proposta, até porque além da subjetividade da temática, visto a amplitude e diversidade de cenários possíveis para a contação de histórias de marcas, não estamos tratando de uma ciência exata. Contudo, este pretende desempenhar a função de um farol, na orientação de um norteador para tal resposta. 

Para tanto, realizou-se uma pesquisa exploratória documental, buscando inicialmente na literatura e em estudos de casos de mercado, a compreensão sobre marcas e seus aspectos comunicacionais, assim como sobre storytelling e seus elementos construtivos, objetivando identificar inter-relações de valor, que indicassem onde a contação de histórias apresentar-se-ia de forma relevante para as marcas. 

Em paralelo, buscou-se a história por trás de mais de 100 marcas do varejo cotidiano, por intermédio dos sites das empresas ou de seus fabricantes. Tal pesquisa identificou poucas histórias seminais ou relevantes, descritas em suas plataformas proprietárias, o que, de forma empírica, auxilia na inferência da afirmativa da existência de que um expressivo número de marcas não teria boas histórias para subsidiar sua comunicação. 

Tal pesquisa ampliou seu espectro para a comunicação de marca em distintos segmentos, deparando-se com a identificação de um robusto número de ações e campanhas elaboradas com storytelling, principalmente em formato de vídeo, protagonizadas por clientes ou outros stakeholders, em que se verifica um intencional deslocamento da tradicional função comercial, para o aspecto inspiracional e de agregação de valores humanos e empatia à marca de forma tangencial. 

À luz dessa identificação, procurou-se então compreender como são estruturados os storytellings de marcas, bem como destacar dentre as diversas ações e campanhas pesquisadas, três casos que pudessem servir como um facho de luz indicativo para empresas e marcas que desejam valer-se do storytelling em suas estratégias de comunicação, mas não têm, ou não identificaram em si, narrativas que suportam tais ações. 

Os casos são descritos e, por seu intermédio, surgem indicativos de como as empresas citadas relacionaram suas marcas a histórias vividas ou experimentadas por stakeholders, buscando prover empatia e identificação com seu público alvo. 

 

3 CONTANDO HISTÓRIAS 

O ato de contar histórias remonta à própria história da humanidade, quando narradores 

(storytellers) ao redor de fogueiras trocavam experiências entre si sobre os embates travados com as forças desconhecidas da natureza (MASSAROLO, 2013). Já naquele tempo, essa era uma maneira de legitimar uma liderança por meio da referência (MCSILL, 2013). 

Desde então, histórias são contadas de geração em geração para as mais distintas finalidades e das mais diferentes formas. Já na primeira infância, partindo das historinhas na hora de dormir, nos acostumamos a ouvir e nos encantar com boas histórias contidas em livros, quadrinhos, filmes, desenhos e outros, bem como as contadas e vividas durante nossas vidas. Nosso apetite por estórias é um reflexo da necessidade profunda do ser intelectual, como uma experiência pessoal e emocional (MCKEE, 2006, p. 25) 

Mas para se contar boas histórias, considera-se importante compreender como essas podem ser estruturadas. Já apresentamos as unidades de uma narrativa: o tempo, o espaço e a ação; bem como, seus principais elementos: o fato, o tempo, os personagens e a consequência; a seguir, para desenvolver um melhor entendimento sobre paradigmas da construção de histórias, abordaremos o monomito. 

Monomito, termo tomado de empréstimo do escritor irlandês James Joyce, é uma postulação do autor Joseph Campbell (2007) sobre a existência de um padrão universal que é a essência e a característica das lendas heroicas de todas as culturas. Mas amplamente conhecido como a jornada do herói, o monomito apresenta-se com descritor da ciclicidade da jornada presente nos mitos e histórias. 

Campbell (2007) detalha o monomito como uma trajetória em 17 estágios, dividindo-os em três capítulos: a partida, iniciação e retorno. O autor defende ainda que todos os mitos seguem em algum grau a estrutura por ele proposta, citando alguns exemplos de narrativas míticas, como: Prometeu, Osíris, Buda e Jesus Cristo, destacando que tais narrativas seguem, essencialmente, o paradigma do monomito. 

O monomito de Campbell (1997) foi adaptado por Christopher Vogler em 1999, na obra A Jornada do Escritor, que se apresentou como um guia com uma versão compacta da estrutura apresentada por Campbell. Vogler constrói seu paradigma em 12, ambos divididos em três momentos. Por essa razão, são popularmente conhecidos como os 12 passos da Jornada do Herói. No Quadro 1 abaixo, podemos observar a divisão em atos, as etapas propostas, bem como a estruturação de uma narrativa conceitual, como forma de expressar a linearidade da narrativa. 

 

Quadro 1: Os 12 passos da Jornada do Herói. 

12 ETAPAS DA JORNADA DO HERÓI DESCRITAS NA OBRA A JORNADA DO ESCRITOR 
ATO  ESTÁGIO  NARRATIVA 
Primeiro Ato  Mundo comum  Os heróis são apresentados no MUNDO COMUM, onde… 
Chamado à aventura  …recebem um CHAMADO À AVENTURA. 
Recusa do chamado  

(o herói relutante) 

Primeiro, ficam RELUTANTES OU RECUSAM O CHAMADO, mas… 
Mentor  

(a velha ou o velho sábio) 

…num Encontro com o MENTOR são encorajados a fazer a… 
Travessia do primeiro limiar  …TRAVESSIA DO PRIMEIRO LIMIAR e entrar no Mundo Especial, onde… 
Segundo Ato  Testes, aliados e inimigos  …encontram TESTES, ALIADOS E INIMIGOS. 
Aproximação da caverna oculta  Na APROXIMAÇÃO DA CAVERNA OCULTA, cruzam um Segundo Limiar… 
Provação  onde enfrentam a PROVAÇÃO. 
Recompensa  Ganham sua RECOMPENSA e… 
Terceiro Ato  Caminho de volta  …são perseguidos no CAMINHO DE VOLTA ao Mundo Comum. 
Ressurreição  Cruzam então o Terceiro Limiar, experimentam uma RESSURREIÇÃO e são transformados pela experiência. 
Retorno com o elixir  Chega então o momento do RETORNO COM O ELIXIR, a bênção ou o tesouro que beneficia o Mundo Comum. 

Fonte: Adaptado de VOGLER (1998). 

 

A partir dessa estruturação, é possível compreender de forma mais clara como são construídas as etapas da jornada do herói e identificar as narrativas de diferentes histórias que consumimos como: Guerra nas Estrelas, O Senhor dos Anéis e Matrix. Nos estudos de caso a seguir, é possível também identificar partes dessa jornada sendo percorridas. 

Lundqvist et al. (2013) afirmam que as histórias se enraízam nas mentes das pessoas, trazendo lembranças e despertando emoções. Não por acaso, existe um crescente número de empresas apercebendo-se do valor das histórias, acreditando que por meio dessas, podem criar oportunidades de acessar diversos níveis de percepção e prover informação sobre uma marca em um mesmo contexto.  

Nesse momento, muitas empresas passaram a perceber o valor das histórias na comunicação de marca (GALLO, 2019; LUNDQVIST et al., 2013) e vêm proporcionando a criação de ações de marketing, interações ou experiências, que gerem potencial para se tornar pequenas histórias, além de propagação espontânea.  

 

“Contamos histórias para vender nossas ideias. Contamos histórias para convencer os investidores a apoiar um produto. Contamos histórias para educar estudantes. Contamos histórias para motivar equipes. Contamos histórias para convencer os doadores a fazer um cheque. Contamos histórias para encorajar nossas crianças a alcançar todo o seu potencial” (GALLO, 2019 p. 25). 

 

Não por acaso, os parques da Walt Disney World proveem tecnologia wi-fi de forma aberta em todos os seus equipamentos, facilitando a propagação em tempo real da chamada “experiência Disney” pelo mundo, tornando cada usuário multiplicador de sua experiência e um potencial storyteller, ou seja, um contador de histórias. 

 

4 APRESENTAÇÃO DE CASOS 

Contar histórias é parte do cotidiano das pessoas, seja para comentar um fato curioso, “eu estava saindo e…”; valorizar algo “este bolo, é uma receita da minha avó, que fazia…”, ou encantar “era uma vez uma linda menininha…”. Da mesma forma, empresas contam suas histórias com diversos objetivos, como: identificação, diferenciação, geração de vínculos de valor, ressaltar características e usos, ou mesmo, prover empatia.  

Mas assim como as pessoas, nem todas as marcas têm boas histórias para contar, por isso, muitas vezes, tais histórias precisam ser criadas. No entanto, não estamos tratando de invenções ou mentiras, até porque, estas são facilmente identificadas ou desmentidas no meio digital, mas sim, da identificação de tais histórias junto aos stakeholders de uma marca, pessoas com experiências reais, que tenham boas histórias para emprestá-las a uma ação ou campanha.    

Uma boa história pode ser construída a partir de uma ação de experiência, a exemplo do caso da “AES Eletropaulo” que será presentado. Pode ser identificada por meio de um ponto de contato relevante de uma marca com uma boa história, assim como será visto no caso “Google Maps”. Dentre outras formas, pode também ser construída a partir de uma narrativa aparentemente sem nenhuma relação, mas repleta de emoção, que acaba por adicionar empatia a uma marca, como expresso no caso “A mãe de mil filhos”. 

 

4.1 AES Eletropaulo 

O primeiro caso descrito compreende a ação “Mensagens que brilham”3, criada pela agência Dim & Canzian em 2013 para companhia AES Eletropaulo, coletado no canal do youtube da agência, em um projeto itinerante o qual, através da iluminação pública e um dispositivo de lentes, transformou pela primeira vez os postes de rua em um novo canal de mídia para contar histórias. 

A AES Eletropaulo é a companhia responsável pela distribuição de energia elétrica para parte dos municípios da Região Metropolitana de São Paulo. Com o objetivo de levar empatia à imagem da empresa, a campanha “Mensagens que brilham” buscou, em meio a seus usuários, as histórias necessárias para a execução dessa ação e construção de um storytelling 

Partindo de um hotsite, a companhia convidou seus usuários a compartilharem momentos especiais de suas vidas, enviando suas histórias, associando-as a um local na circuluvizinhança por meio de um mapa digital. Algumas das histórias foram escolhidas, sintetizadas em uma única frase e transformadas em slides 

Em paralelo, a AES desenvolveu um dispositivo formado por um conjunto de lentes em um suporte, que quando anexado à lâmpada de um poste de iluminação pública, transformava tal conjunto em um projetor de luz e sombra, onde as frases escolhidas foram projetadas no chão, no entorno dos locais indicados nas histórias. Junto à frase, foi adicionada a hashtag #historiasquebrilham com o objetivo de gerar propagação e rastreabilidade no compartilhamento digital por meio de redes sociais. 

Nessa vertente, destacamos a definição de Mcsill (2013), a qual afirma que storytelling é a arte de contar uma história, ou seja, por meio da palavra escrita, da música, da mímica, das imagens, do som ou dos meios digitais, e neste caso, a empresa desenvolveu uma forma singular para contá-las. 

Além dos próprios protagonistas, segundo a empresa, as histórias alcançaram também um amplo universo de pessoas que tomaram conhecimento da ação por meio da propagação digital. Projetadas de forma apócrifa, as frases também alcançaram pessoas que tiveram experiências semelhantes, mesmo que em outros locais, ou que simplesmente foram tocados pela mensagem ou pela iniciativa. 

Lundqvist et al. (2013) afirmam que os consumidores procuram experiências que apelem às suas emoções ou sonhos; as histórias ajudam-nos a alcançar essas experiências, aumentando a confiança na marca, bem como o seu reconhecimento e singularidade. 

Com frases compostas por fortes expressões de componente emocional como: “Aqui meu pai me ensinou a andar de bicicleta”, “Foi nessa esquina que conheci meu cachorro” e “Meu primeiro beijo foi nessa praça”, as projeções proporcionaram resultados numericamente relevantes para a empresa. Segundo o vídeo publicado no canal do YouTube da agência criadora, em quatro finais de semana, e realizada apenas na cidade de Barueri, mais de 5.000 histórias foram recebidas, 100 mensagens projetadas por meio de 50 projetores, gerando um impacto mensurado em 70.000 consumidores da empresa. 

Propagada em redes sociais em formato de vídeo, o storytelling apresenta não só o processo de elaboração da ação, mas diversas reações de pessoas sob as luzes: crianças sorrindo, pessoas olhando e fotografando a projeção, um rapaz de joelho beijando a mão de uma jovem, como se figurativamente estivesse pedindo sua mão em casamento, outras enviando mensagens e suas histórias, encerrando com a imagem de uma projeção em que é vista a marca da campanha e da companhia. 

A ação também destaca a informação de ter criado um novo tipo de mídia, com potencial de interagir com a audiência e prover experiências. Como slogan, a campanha adotou a frase: “Os melhores momentos da vida compartilhados através da nossa energia”. 

Este caso apresenta uma empresa de grande porte e com características monopolistas, que presumivelmente provem pouco a empatia natural de seus clientes, pois estes não têm opção de fornecedoras, e tendem a lembrar desta apenas quando ocorre a interrupção na transmissão ou no vencimento de sua conta mensal. Assim, esta empresa é compreendida por este estudo como parte do recorte de empresas que possivelmente não teriam boas histórias para contar. 

Assim, considera-se razoável crer que tal conjunto de características, em contraponto ao objetivo de aproximar-se de seus clientes, apontou o storytelling um caminho para prover associação e empatia. Mcsill (2015) cita que storytelling é a capacidade de tentarmos melhorar nossas histórias, para conseguir atingir os propósitos que desejamos ao contá-las. 

 

4.2 Google Maps 

A Google é uma das maiores e mais conhecidas empresas do mundo; foi criada com a missão declarada de organizar a informação mundial e torná-la universalmente acessível e útil. Com a inovação em seu DNA, milhares de programas, cursos, sedes e um arcabouço virtualmente infinito de informações, é plausível crer que a Google conte com um expressivo acervo de boas histórias com potencial de serem contadas. Todavia, ter milhares de histórias não é o mesmo que ter milhares de boas histórias e de uma empresa com tal envergadura é sempre esperada uma ideia disruptiva ou inovadora para sua comunicação. 

Desenvolvido quando a empresa já era uma gigante, o Google Maps é uma plataforma absolutamente fundamental em nosso cotidiano. Os “mapas”, por ela fornecida, subsidiam aplicativos de roteamento pessoal como Waze e de transporte de passageiros como Uber, assim como outros diversos serviços que demandam tecnologia de geolocalização. Mas traçar rotas ou encontrar o melhor caminho, é apenas parte do potencial que a plataforma dispõe e, na busca por expressar tais possibilidades, a Google se deparou com a história de vida narrada pelo indiano Saroo Brierley 

O vídeo intitulado Saroo Brierley: homeward bound4, desenvolvido pela Google, apresenta de forma resumida e pontual, porém cuidadosamente estruturada, a jornada de Saroo, iniciando na infância, quando se perde de sua família, até seu reencontro, já na vida adulta. O vídeo contou com mais de 2.8 milhões de visualizações e a história também é contada em livro e filme. 

Com imagens reais dos locais onde ocorreram os fatos e narração do próprio protagonista, a história conta que em 1987, aos cinco anos, o indiano se perde de seu irmão na estação ferroviária de Burhanpur5, no centro da Índia, após pedir que este o levasse para conhecer a cidade mais próxima da sua aldeia. A história segue sem detalhes de seu dia a dia até que a narrativa salta para o momento de sua adoção, por uma família australiana. De forma pontual, o vídeo mostras imagens conotando o carinho de sua mãe adotiva, que coloca ao lado de sua cama um mapa da Índia, ao qual Sarro olha diariamente ao acordar como forma de manter viva sua memória. 

Na sequência, Saroo narra ter conhecido o Google Maps e é identificado ali um universo de possibilidades. O protagonista é visto em um computador; por poucos segundos, é mostrada a ferramenta do Google em uso, como uma demonstração rápida de como a teria utilizado. Enquanto em narrativa, ele descreve como essa ferramenta lhe deu a oportunidade de refazer seu caminho de volta para casa.  

O “herói” da narrativa, já adulto, conta ter colocado um ponto na estação de trem da qual tinha se perdido, e dali criado um raio de busca por seu caminho até a estação que havia saído, tendo o reconhecido pelas imagens da plataforma. 

A história segue com Sarro em sua viagem até a Índia e a descrição de com a ajuda do Google Maps conseguiu chegar até a casa em que havia nascido. Narra que ao lá chegar olhou no canto e havia três senhoras: a do meio levantou-se, foi até ele e lhe deu um abraço de vários minutos – era sua mãe. Em seguida, levou-o para dentro de casa, ligou para seus irmãos e disse “O seu irmão apareceu de repente, assim como um fantasma”. 

O vídeo finaliza com a narração de um novo momento, quando a família estava reunida e como Sarro doravante ajudara sua mãe, que não mais precisaria trabalhar como uma “escrava”. Descreve sua busca como “a procura de uma agulha em um palheiro”, que mesmo tendo a certeza de que a agulha estava lá, encontrá-la estava apenas a alguns clicks de distância, em uma clara referência à ferramenta. O vídeo encerra com a frase: Saroo Brierley: homeward bound e a marca do serviço Google Maps. 

Nesse caso, identifica-se a prerrogativa de Vogler (1998), que afirma que as estações no caminho da Jornada do Herói emergem naturalmente, mesmo quando o escritor não está consciente delas. Na trajetória de Sarro, estas são facilmente percebidas como: Austrália sendo o mundo comum; a partida para uma aventura; a mãe adotiva como mentora; a aproximação; a recompensa e o retorno com o elixir; no caso, simbolizado pelo encontro de sua mãe biológica.  

Em adição, soma-se toda uma carga imagética e emocional, estruturada de forma a prover empatia ao protagonista, Sarro, e uma associação direta de seu sucesso na jornada com auxílio do serviço da Google. Nessa vertente, Mckee (2016) afirma que poucas abordagens mercadológicas geram mais fixação da marca que as histórias. Por meio de boas histórias, pode-se criar oportunidades de acessar diversos níveis de percepção e prover informação sobre uma marca em um mesmo contexto. 

Esse caso foi proposto como forma de ilustrar uma situação na qual uma grande empresa, teoricamente, com um amplo arcabouço de histórias, mas não necessariamente com boas histórias, encontra o protagonismo em um usuário externo, alicerça sua narrativa pela construção de um storytelling.  

 

4.3 A mãe de mil filhos 

O terceiro caso apresentado é uma campanha criada para a Johnson & Johnson, empresa especializada na produção de farmacêuticos, utensílios médicos e produtos pessoais de higiene, detentora de uma expressiva parcela do mercado mundial em suas áreas de atuação. É também uma empresa multinacional controladora de inúmeros produtos de nas linhas infantil e de beleza. 

Pela inerente amplitude de suas linhas de produtos, pode-se intuir que por trás destes, não existem boas histórias de criação a serem contadas. Também como fabricante, podemos crer não haver um relacionamento direto com seus consumidores finais. Partindo desse panorama, a empresa encontrou em um stakeholder: a protagonista para sua campanha de storytelling de linha de produtos de cuidados infantis Johnson Baby 

A campanha intitulada A mãe de 1000 filhos6, conta a história da enfermeira Maria Inês, que trabalha na ala de bebês prematuros de um hospital. Elaborada sob uma narrativa de forte apelo emocional, a história tem início com a imagem de Inês passando as páginas de um álbum com fotos de diversos bebês, enquanto narra “Eu não sou uma mãe biológica, mas tenho bilhões de filhos espalhados por esse mundo.”. 

Inês é vista no filme, cuidando e dando banho em um bebê prematuro ao lado de outra mulher, subentendendo-se, ser mãe da criança. Em caracteres surge seu nome e junto a está frase “Há 24 anos trabalha na UTI neonatal”. Segue a narração explicando que em seu trabalho, os bebês passam muito tempo internados e, assim, as pessoas que ali trabalham acabam criando um vínculo muito grande com as crianças e com a família. Essa sequência busca demonstrar carinho, cuidado e proteção como componentes imagéticos. 

O vídeo segue demonstrando os cuidados aos bebês, quando se pode ver uma rápida e discreta imagem de um dos produtos de banho da Johnson, enquanto Inês narra “Eu lembro um por um daqueles bebês…” citando vários nomes. Após a visualização do cenário com a protagonista e o ambiente, a marca de forma discreta, apresenta-se como partícipe da ação e aliada do cuidado infantil. 

A imagem retorna ao álbum de fotos, Inês pontua em sua narrativa o caso de um dos bebês de nome Rafael, explicando que o acompanhou na cirurgia e comenta “Ninguém faz ideia do tamanho que tem aquele coraçãozinho batendo forte ali naquele momento, e a Raquel sempre comenta comigo que eu sou a única pessoa que conhece o filho dela por dentro e por fora”. Em seguida complementa, “A gente se questiona como será que eles passarão a primeira noite em casa. Como é que foi a infância deles? Será que ele é médico, engenheiro, arquiteto? Porque nós sentimos saudades. Tem os quadrigêmeos, as três meninas e um menino. Como eles estaria 

 hoje? Imagina ver eles aí grandinhos, grandes?”. 

Retornando a imagem do álbum de fotos, o vídeo entra em seu segundo momento. Em caracteres surge a frase “O que se constrói nos primeiros dias de vida é muito mais que uma relação. É um vínculo para sempre”. A cena alterna para outro ambiente, algo que aparenta ser um galpão em meia luz, onde vê-se Inês entrando, e à medida que ela passa por uma passarela contornada por luzes, projetores são acionados com fotos suas com alguns dos bebês por ela cuidados. 

Surge em caracteres a frase “Por isso, fizemos uma surpresa para Maria Inês”. Ao som de uma suave música instrumental, o vídeo mostra a entrada de várias pessoas, iniciando pelos citados quadrigêmeos, na ocasião, já adolescentes. O filme segue mostrando em flashes diversas famílias com seus filhos abraçando Inês, em seguida, entram as imagens projetadas, com a sua frente aqueles bebês, agora já adultos ou adolescentes e em caracteres a descrição dos nomes, a data do nascimento e o peso com que cada um nasceu. 

Seu final se dá com um conjunto de cenas de Inês e todos seus “filhos” enquanto ela, em narrativa, afirma “Eu não sou mãe biológica, mas eu tenho essa imensidão de filhos. É uma sensação maravilhosa que eu tenho dentro do meu coração”. Surgem em caracteres a frase “Uma homenagem a todos que cuidam com tanto carinho dos nossos bebês” e encerra com a marca da Johnson. O vídeo, foi exibido mais de 12 milhões de vezes apenas no canal do YouTube da marca, e a este número são somados à propagação espontânea em outros canais, visualizações em TV a cabo e outros meios.   

O storytelling desenvolvido adotou como protagonista uma enfermeira de uma UTI Neonatal, retratada como uma pessoa com grande dedicação e ligação com seu trabalho. Demonstra a presença da marca a uma situação de extremos cuidado, contudo, quase como uma mera figurante, em uma narrativa cuidadosamente elaborada para despertar empatia. A ação demonstra uma maneira potencial de contar uma boa história, envolvendo uma marca que não necessariamente tem uma boa história para contar.   

 

5 CONCLUSÃO 

O storytelling tem ganhado destaque e vem tornando-se tendência no mundo dos negócios desde o início do ano de 2006, juntamente com o crescimento da banda larga no Brasil. Este passou a ser abordado em livros, por diversos autores renomados, da neurociência à psicologia, da inovação à liderança (PALÁCIOS, 2016). 

No meio empresarial, verifica-se muitas empresas utilizando o storytelling em diversas dimensões de sua comunicação, indo desde a gestão de marca até o desenvolvimento de campanhas. Nesse contexto, este se propõe a apresentar-se como elemento diferenciador e agente de aproximação da marca com sua audiência por meio da contação de boas histórias. 

Todavia, da mesma forma que nem todos os livros e filmes têm boas histórias, empresas e marcas também não. Dessa forma, este estudo trouxe o questionamento de como tais marcas poderiam utilizar o storytelling sem que tivessem ou identificassem boas histórias a serem contadas. Por intermédio de pesquisa em campanhas e na literatura, identificou-se de forma empírica, uma proposta de resposta a esse questionamento. 

Este estudo projeta uma luz, que aponta na direção de opções para que tais marcas se comuniquem com seu público por meio do storytelling, sugerindo para tal, o pivotamento do protagonismo de tais histórias da marca para os stakeholders, principalmente para aqueles que provenham empatia com seus clientes, os consumidores. Em um mundo onde as pessoas são diuturnamente bombardeadas por escolhas, as histórias constantemente são o fator decisivo pelo qual decidimos fazer negócios com alguém (GALLO, 2019). 

Pode verificar-se que as três empresas citadas, AES Eletropaulo, Google e Johnson & Johnson, embora sejam de mercados e segmentos completamente distintos e características difusas, estão aqui compreendidas dentro de um mesmo recorte proposto, também por sua envergadura, distanciam-se do cotidiano de seus clientes, que é possivelmente, a melhor fonte para a criação de boas histórias. Por meio dos casos descritos, foram demonstradas formas de se contar histórias de marcas com potencial de geração de alcance e engajamento orgânicos. Todos os casos tiveram, em suas respectivas proporções, números representativos de visualização e propagação espontânea, o que reforça a hipótese de um resultado positivo. 

Por fim, o artigo sugere que a resposta ao questionamento encontra-se no que é compreendido como cerne de muitas marcas: seus cliente, suas relações, e as boas histórias que estes podem gerar; reforça que a transferência do protagonismo da história da marca para seus stakeholders apresenta-se como potencializador de empatia e que, assim como pode ser observado nos casos propostos, o papel de coadjuvante apresenta-se para marcas concordando com o dito popular, o qual expressa que “menos é mais”. 

 

REFERÊNCIAS 

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Biografia dos Autores

Umehara Lopes Parente, Universidade Católica de Brasília

Mestre em Inovação em Comunicação e Economia Criativa pela Universidade Católica de Brasília; Graduado em Marketing pela Universidade Estácio de Sá do Rio de Janeiro; Pós-graduado em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais pelo Centro Universitário Estácio de Sá do Ceará; Graduado em Administração de Empresas Pela Universidade Estácio de Sá; MBA em Design Gráfico e Digital pela Universidade de Fortaleza; MBA em Marketing e Inteligência de Mercado pela Saint Paul Escola de Negócios; e Pós-Graduado em MBA Executivo com Ênfase em Estratégia pelo Coppead – UFRJ; Pós-Graduado em BI, Marketing Digital e Data Driven – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)

 

Victor Laus-Gomes, Universidade Católica de Brasília

Doutor em Comunicação Social, Mestre em Administração e Bacharel em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda. Professor e pesquisador no Mestrado em Inovação em Comunicação e Economia Criativa da UCB

10 de dezembro de 2020